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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Historiador Vicente Salles - Amigo de Marabá

Ave, Vicente Salles!



O pesquisador Vicente Salles, antropólogo, folclorista, historiador da cultura, musicólogo, jornalista, cientista social, escritor e poeta, vai ser agraciado, com muita justiça, com o título de Doutor Honoris Causapela UFPA.  

Mente privilegiada, brilhante, inovador, Vicente Salles tem, aos 80 anos, a capacidade admirável de ser jovial, simples, curioso, alegre e aberto, sem ranço academicista – o que se evidencia pela valorização da caricatura, da história do humor – artistas do traço e da troça, como diz -; forte e atuante no pensar e ainda lutar contra os atentados à memória cultural, denunciando com a vigor a penalização que o prefeito Duciomar Costa impõe ao Instituto Geográfico do Pará, um órgão que preserva a memória do município com importante acervo museológico que o prefeito de Belém tem a obrigação de proteger e preservar.

Parauara de Igarapé Açu, Vicente Salles é um homem universal, um iluminado. Em 1954, quando o Theatro da Paz foi restaurado, jogaram muitos documentos. Pois ele foi lá e recolheu preciosidades da cultura paraense.

O Acervo Musical da Coleção Vicente Salles, com cerca de 7 mil títulos entre discos, fitas cassetes, fotas de rolo, vinis, CDs, livros e partituras editadas e originais de grandes nomes da música regional  estão disponíveis para consulta na biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará (de segunda a sexta, das 9 às 17 horas, na Av. José Malcher, 1192 – entrada pela Generalíssimo Deodoro -, bairro de Nazaré, em Belém-PA).

O material resgata documentos desde 1880 até os dias atuais. O maestro Jonas Arraes, coordenador do Projeto Recuperação e Difusão do Acervo Musical da coleção Vicente Salles da Biblioteca do Museu da UFPA, elaborado em 2006, venceu concurso nacional e conquistou patrocínio da Petrobras e Lei Rouanet. De fevereiro de 2007 a junho de 2008, uma equipe multiprofissional com mais de 20 musicólogos, bibliotecários, fotógrafos e técnicos de diferentes áreas trabalhou na preservação e organização do material, que reúne de relíquias dos séculos XIX e XX a gravações de Pinduca e Waldemar Henrique. Tudo colecionado por Vicente Salles, que até hoje contribui e muito com suas pesquisas.
Assistam a Vicente Salles falando de seu trabalho e projetos futuros. (Blog de Franssinete Florenzano)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Que bom, Pirralho, que você veio!...

Antônio Pinheiro é amigo de longa data. Ele e sua família. Plinhão foi, até, meu paraninfo na solenidade de conclusão do ginasial, no Santa Terezinha, onde estudamos entre 1961/1964. Dizem que eram tempos ruins: as crianças obrigadas a andar quase um quilômetro sobre um aterro de argila que no verão soltava uma puaca que envernizava até os dentes e, no inverno, parecia uma corda bamba de lama sobre o qual o equilíbrio precário era uma aventura. E ainda havia um rio a atravessar em canoinhas de cores alegres, e mais quase um quilômetro de ladeira pelas vielas do Amapá, e mais uma grota, um mata-burro e a subida íngreme do morro sobre o qual assentava a escola que tanto amávamos. Para nós, tanta alegria matinal era sempre uma festa.
Éramos uma turma unida – cerca de 35, desde o primeiro ano, mais tarde apenas com algumas substituições – e a gente o chamava de Pirralho. Pirralho era ruim de bola como ninguém! Mas era a mascote da turma e entrava no gramado com os demais, até porque vê-lo em campo era fonte de gostosas gargalhadas. Lembro de uma vez que ele, chamado pelo técnico no segundo tempo, adentrou o tapete de capim ralo, atravessou a passos vagarosos metade do campo, e sem dizer uma única palavra deu um chute na bunda de um rapaz da outra equipe. Com a mesma tranqüilidade saiu do outro lado. Nem esperou o juiz lhe mostrar o cartão vermelho. Foi tudo tão inesperado que havia gente rolando no chão, de tanto rir.
A partir de 1965, nos dispersamos. O grau mais elevado de ensino em Marabá era o ginasial. Daí em diante, estudos só nas capitais de um país vizinho chamado Brasil. No Brasil, nós, que fomos, nos desgarramos. Muitos dos que ficaram, como muitos dos que foram, acabaram morrendo: Pedro Mendes, Antônio Coutinho, Ari Pires, Devaldino, Félix da Rosena. Dos demais, que sei eu?
Nesta quinta-feira eu fui, depois de tantos anos, à igrejinha de São Félix, o padroeiro, onde rezávamos em latim e cantávamos em grego no coral suspenso, ao som do órgão medieval. A igreja estava cheia de marabaenses sobrados do dilúvio. Juntas, nossas idades somadas ultrapassariam a casa do milhar. Um padre estrangeiro entoava com vogais ora abertas ora fechadas um cantochão estranho, mas ainda pude ouvir, ao fundo, o som de cravo tirado por João Sariema dos teclados daquele órgão que os arcanjos devem ter levado para algum lugar.
Não acompanhei o cortejo ao encontro das águas de nossa infância e adolescência, onde seria derramada a salsugem de cloretos e sais que restaram da cremação de Pirralho. Eu estava no meu limite, ali sob o paletó que vesti para recebê-lo com o rigor devido ao reencontro das pessoas amadas. Estava certo, entretanto, que os amigos idos o aguardavam na margem à ilharga da canoinha colorida e enfeitada de Maracujá, o passador, para ajudá-lo na travessia, encaminhá-lo por entre as ruas tortuosas do povoado e fazê-lo subir a ladeira entre árvores frondosas até à mansão da paz infinita assentada no alto da colina.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Professor. Poeta


João José Gomes Martins nasceu em Juazeiro (BA). Formado em Letras (UFPA). 
Músico, compositor e professor. Em 2009, ganhou o Prêmio Destaque da Educação
ao vencer o I Concurso de Poesia "Professor(a) Poeta", organizado pela Prefeitura de Marabá/Secretaria de Educação/Casa do Professor, com o poema "O Papel".
Os poemas, a seguir, integram a coletânea inédita “A marcha da canção funérea.


O papel


Preciso expor nele o que devoro em mim internalizado.
E como a nuvem carregada que ao ferir-se no raio
                                    [verte água, lágrima e suor conservado
Para depois vivificar o fausto Sol no do céu.
Devo sangrar-me com a palavra que abre a luz e clareia o véu.


Eu quero rabiscar, desenhar, pintar, compor.
Mesmo que as imagens avivem angústia, dor horror, desamor.
E como rimam as palavras em contentamento,
Cobiço em versos, secar as lágrimas do meu inocente desalento.

Não, não quero que o papel permaneça em branco.
Não quero que método encerre e proíba o pensar melodioso do canto.
Não quero que seque em Betinho o anseio sedento que o amplia.
Nem que do seu formigado cantinho veja perder-se,
                                                                     [ilusoriamente, a sábia Sofia.




A obrigação é mesmo o degredo das almas
Que ainda pequenas sublima o amar, o urro, o assobio.
Então não castre os sonhos de quem é sonho apenas,
E nunca imprima o castigo silencioso e vazio.

Não comunique com arrogância o que acomoda a ânsia, as vozes
Que ecoam miseravelmente das grades nas arenas ferozes.
O medo fugaz silencia unicamente os sussurros de pavor.
Libertai-nos! Libertando-os de tanto e cruel terror.

Não camufle o prazer que mágica alegria irradia.
Alimente na mente outra o que a esperança amplia.
Avie atitude no labor fervente e inquietante de todo dia
E jamais se espreite na proteção da intolerância arbitrária e fria.


Exculpam em pedra bruta, flores de matiz colorado.
Versejem atos e fatos de amor no outro amado ao lado.
Calculem matemáticas nas curvas das estradas
                                                    [e no vão distante dos caminhos.
Avaliem igualmente a média aritmética ponderada dos espinhos.

Faça arte em vidas que, às vezes, são pequenos pedaços.
Registrem lições de paz para os sem pães, sem Camões,
Mas que se lapidadas as histórias, desvendarão os percalços
De mentes envolvidas em mormaços e em sermões.

Faça ciência na poeira da soleira.
No barro oco arranje escultura,
Altura e expressão da figura.
E o resto, o esclarecimento definirá
Em que rumo a vida me levará.  



O destino em construção

Era ele assim: ignaro, indolente.
Erradio, vago e negligente.
Percorria veredas de contradição,
Em si tinha competente a urgência da atuação.

Queria o prazer imediato e sentia em si latente,
O desejo do viver inconseqüente.
Não percebia o insólito, que a incipiente dileção,
Não emana jamais da edaz simulação.

O que lhe ia dentro era ave corvídea, águia rapinante, carcará do sertão,
E na altura da soberba despia-se deveras de toda compreensão.
Porém nem sequer deduzia que a vida audaz que perseguia,
Sem culpa a impelia a imensurável decepção, degredo e consternação.

Não tendo tardado, sentiu desabalado o destino lhe doer à intuição,
De que sobre os ombros suportaria desmedida opressão.
Estigma da imperiosa missão que lhe estava por obsessão,
Insculpida nas linhas que lhe cruzavam a palma da mão.

As misteriosas linhas previam que vida longa ia alcançar,
Porém uma existência sórdida e vaga ele havia de festejar.
Os traços cruéis sugeriam estar o cabra moldado por cruz própria,
A ser um Ser por predição condenado a viver na mais pura inópia,

O mistério era o porvir que vivia a arremedar,
E em arrimo improvisava paródia para sua missão arrebatar. 
Do mesmo modo que não sabia se deveria em sortilégios confiar,    
A sua ditada sentença nas curvas do desatino por certo ia esgarçar.

O insano infiel sem arreio e sem firmamento,
Ardia-se com a maldita desdita cruel do julgamento.
A argúcia então lhe inferia que sem teoria,
o ocaso do acaso por parceiro em si lhe havia.

Proferindo apelos aos santos sem qualquer distinção,
Alcançou apenas o senão, a lástima e a amolação.
Deixar-se-ia enfim abrigar em si a torpe sina,
Ou a revolveria como um bravo com as próprias mãos?

Com a arrogância decida de quem abafa a emoção,
Um deserto feroz veio falar-lhe ao coração.
E inferindo abarcar enfim a estouvada ocasião,
Desprezou com alarme os rogos de sua obscura razão.

Assim fez-se duro feito mata de catingueira,
Afiado que nem espinho que brota da flor na pedreira.
Pensou ir longe sem engano a sua imaginação ligeira,
Esvoaçando alto o céu como se fosse a ave condoreira.

Cantou sonhos e cantorias em viola seresteira.
Libou vinho, saudou santo, pulou brasa de fogueira.
Contou causos e histórias de cordel de repentista de feira,
Improvisou da rima como se a alta estima fosse sua parceira.
Amou grácil flor menina intata, graciosa e faceira,
Seduziu dona séria se deleitou com a bela rameira.

Tecia na rima a mulher como árvore frondosa,            
Quefruta doce, macia, lisa e deleitosa.
Quanto mais se abraça, se come, lambuza e gosta em ação,
Mais lhe rende agonia, prova e tentação,
É bicho malvado que carrega segredo e desilusão.
É flor que machuca sem doer, mel que amarga o coração.
É passo dado apressado pra se perder de aflição.

Mas ele que era extremado e carregava dentro a hesitação
Moveu-se outra vez, talvez, pelo insulto da alucinação.
Esquecendo-se de repente das amarras da tribulação,
Deu forma em seu pensamento a uma tênue decisão.

Bradou pra si mesmo que seguiria agora a sua remota aspiração,    
Nos rumos do Norte acharia por certo a sua perseguida porção.
E zunindo feito tonto besouro, sozinho feito um demente touro        
Nas matas do Xingu se embrenhou a procura do fulgor do ouro.

Fumando cigarro de palha, cortando a ferro e facão.
Quis arrancar do flúmen à pedra brilhante que em delírio via.
Escavando com animosidade um abismo no inculto chão,
Enfeitiçou-se e enlouqueceu na argúcia que o iludia.

Sentindo, um dia, largo lampejo acender-lhe a visão,
O desdenho que ecoou fez-lhe entender a questão:
O sopro nas ventas dera-lhe a divina providência,
Mas abastar-lhe de fortuna não era ato de sua evidência.

Inanimado, medroso na lastimosa solidão,
Sentiu o escuro manto invadir-lhe o coração.
Deplorando como alma penitente em aflição,
Viu a existência vil conspirar e vexar o cidadão.

Humilhado, inapto, inerme e lento,
O homem se sentiu preso à maldição.
Envolto em martírio, fuga e lamento,
Acuou-se por urros na pesada situação.

Ah! Homem de nome e pensamento,
Se calculasses a exaustão que ele sentira nesse momento,
Imploraria pra que se esse fado fosse apenas fingimento
E que o esconjurasse exigiria desse inumano sofrimento.

-Sabei vós, por acaso, oh, Deus!,
  Por que a vida que para os seus gera
  Às vezes, carrega tão severa maldição?  

-Se possuísse esse torpe a agudeza do agir        
 Apego que incita o forte a arriscar-se,    
 Dar-lhe-ia eu mesmo, asas para afastar-se
 Do caído abismo em que quer sumir.
 Quem sabe assim esse abatido enfim admitisse
 Que a rapadura é doce, mas mole não é não.
 E assim além dos quintos do inferno sentisse
 Que avião é bicho que voa alto então
 Mas não tem as garras que nem o gavião.

Se agora esse cabra da peste expirasse por efeito
Uma cruz no seu peito com fidúcia o encerraria.
Num frígido ataúde o sujeito ambíguo sepultaria
Abaixo dos sete palmos que até o vago tem por direito.

E o filho da outra que o dia fatídico anunciou
No barro frio um epitáfio nuvioso anotou:
“Andou sem causa e sem brio esse que aqui jaz.”
Seria ele filho de Deus ou filho do contumaz?

Relata o cordel encantado que eu leio
Que essa história trágica deu-se sem enleio.
E sem remissão, clemência ou rodeio
Diz que o Ente tornou à merda de que veio.


Poemação

  
Travas quem não te bebe!
Pus, que feridas percebes?
Amargas, pois quem não te come.
Ávido o engulho, orgulho tens nome.

Destila então teu acre veneno!
Condenas, pois teu podre poder!
que sem prazer teu luzir é pequeno.

Vidas? Vidas pequenas!
Oprima com o teu eco viril, vil, servil.
Omita a luz, a vida!
E desvende os cruéis pesadelos que o escuro reluz.

Vidas? Vidas humanas!
Ouça os ganidos que do muro emana!
São lamentos do próprio calvário
De uma raça queramas aos frutos que engendra da lama.

Liberta a ferrugem da esfinge
Que a tranca e a métrica cria.
Veja! O espírito criador à espreita espia!
A tétrica macabra sorte
De escrever versos da alma nessa lápide fria.

Pensa então que saber ver
Arde, verdade, realidade.
Executa então que a fonte escuta!
O brado que não é vago e tonto.

A voz sem culpa julga-se pronta.
Afronta o Eu dos seus ao bel prazeres.
Não avalia então que avaliar é tirania.

Traduza enfim o rigor do funesto diário,
Sem beber no protesto arbitrário.
Porque o sonho refletirá luz de intenso claro
Se o homem se tornar libertário.
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