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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Vitória Barros, a arte do concreto

À falta de espaços públicos para a exposição da nossa arte, ela criou sua própria galeria, expõe a sua e a arte alheia, albergou artistas de Belém e os daqui de casa. Tem uma arte maravilhosa e múltipla. Dos quadros às estruturas em PVC, como esta - a última castanheira - postada no meio da Aldeia Cultural da Fundação Casa da Cultura de Marabá.
Um dia, mostrei-lhe uns textos inéditos e ela acabou inspirada neles e fez a obra maravilhosa que enriqueceu a capa do meu "Rebanho de pedras".


terça-feira, 26 de abril de 2011

Gente de Tucuruí

25 DE ABRIL DE 2011

 Gente desta parte

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O Ademir Braz, de Marabá-PA, que já assina o “Quaradouro”, lançou outro blog: é o “Gente desta parte”, que pretende “divulgar a arte regional e local”.
A proposta do blog é ótima: para o “Gente desta parte” você pode enviar “artigos, fotos, textos poéticos, contos, crônicas, desenhos artísticos, cartuns, aqueles trabalhos que você meteu no fundo da gaveta por causa da auto-censura.”.
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Recorte do blog de Parsifal Pontes

Gente de Opinião

A edição de hoje, terça-feira (26/04), do jornal Opinião destaca a criação de "Gente desta parte" e o incentivo dado pelo blog "Cultura em Movimento", do companheiro Jairon Gomes.
Sinto-me gratificado e surpreso com a repercussão que está pagina, dedicada à cultura e à arte, vem ganhando dos militantes culturais e companheiros da imprensa.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Gente desta parte

Em 2007, quando comecei precariamente a produzir Quaradouro, publiquei uma série de autores - grandes artistas - nossos sob o título "A arte em grãos".
Recupero-os e os reproduzo neste blog porque, enfim, é este seu verdadeiro lugar.
Leia-os, conheça-os. 

Aziz Mutran Filho (1944-2003)

Quaradouro, 12.08.2007
Aziz Mutran Filho publicou um único livro: “Retalhos de poesias”, lançado aqui mesmo em Marabá em 28 de abril de 2000, sob a chancela da Secretaria Municipal de Cultura. São 64 páginas com 34 poemas escolhidos entre o que produziu e datou desde 1964, além do “curriculum vitae” escrito quando fez 50 anos, em 29 de setembro de 1994. É desse auto-retrato que transcrevo sua própria definição:
“Nasci sob o signo da balança, e por isto tenha vindo ao mundo na forma de contrapeso. Hoje olho para trás e quase nada vejo que me motivos para festejar. Fui durante esses anos todos, um ente repleto de contradições, polivalente por excelência, e comum no sentido mais literal da palavra. Contraí dívidas, fui cobrado e paguei. Aliás, paguei com juros escorchantes.
Durante cinqüenta anos fui um servidor dos interesses alheios. Pouco tempo tive para dedicá-lo a mim mesmo. Na condição de “escada humana”, muita gente utilizou-se dela para subir. Num período, entretanto, que tive para mim, eu soube vivê-lo por inteiro. Conheci algumas terras distantes, nunca além das fronteiras do meu país. Convivi com pessoas as mais estranhas que se possa imaginar. Aprendi ofícios que hoje não servem para nada. O dinheiro sempre foi o meu desafeto número um. Em troca, quando me deparava com ele, esnobava da sua cara. Gastei em sinal de protesto, para reafirmar essa nossa mal- querença.
Tive um amor, que para variar foi frutificar-se por além das minhas cercas. No quintal do vizinho. Em troca, fui feliz na tranqüilidade de uma união que durou até a morte da outra parte[1]. Vivemos a felicidade, mas estava escrito que nos separaríamos antes do outono.
Não aprendi outras línguas. Não viajei pelos sete mares, como sonhei na adolescência. Não pilotei aviões como queria. Não cheguei a serdoutor”, como previra o meu pai. Minha mãe foi para o céu quando eu mal completara dois anos. Por amar demais a minha pequena cidade, vou sendo um hospede constante de Marabá. Aqui espero morrer, e se possível ser cremado e ter as minhas cinzas jogadas metade no Itacaiúnas e a outra metade no Tocantins[2].
Sou pai de uma moça[3], para quem desejo uma vida bem diferente da minha.
Plantei muitas árvores. Tenho uma paixão doida por tudo quanto é tipo de animal (irracional). Certamente é por esta razão que algumas pessoas me tratam como um homem de caráter.
Amei a boemia e as serenatas. Hoje estou fazendo pausa na bebida e tampouco me agrada a noite. Gosto de ver as coisas com clareza. Sou um animal diurno. Escrevo poesias que algumas almas caridosas chegam a elogiar. Não peço dinheiro emprestado, para não receber negativas. Até que de vez em quando preciso e tenho vontade. em troca, sou perseguido por caloteiros que “farejam” quando tenho algum dinheiro no bolso. Depois de mederrubar”, o elemento ainda se transforma em meu desafeto.
Escrevi discursos explosivos, que os outros leram com grande eloqüência. Fiz ofícios, projetos, assumi a subserviência dos meus chefes, e desdobrei-me em rapapés para os chefes dos meus chefes. Isto, sempre a troco de nada. Tudo isto, para que eles crescessem e aparecessem. E como cresceram. E como apareceram. E como riram depois da minha cara de otário.
Mas não me prendi nas cidades. Varei sertões comocomerciante” de galinhas e outros bichos menores. Perdi nesse negócio as poucas economias que tinha. Fui “peão”, trabalhando numa companhia estrangeira que aportou por aqui,durante umcastigoque recebi da Ditadura. Nesse tempo de “peonagem”, pelejei por seis meses no cargo de faz tudo – carreguei pedras, madeira, cortei mato e fiz até curativos... Conheci a mata virgem em toda a sua brutalidade e grandeza. De volta à cidade, após ter comprado, com o saldo, duas mudas de roupa nova e um par de sapatos num “queima”, caí na esbórnia e depois de três dias no cabaré não tinha mais um tostão furado no bolso. Restaram-me uma malária que estava “encubada” e que a cachaça fez aparecer, e uma ressaca inominável, sem poder comprar um mísero sonrizal.
O que posso falar mais? – Ah, sim, sou surdo de um lado. Dei um tiro no ouvido[4]."
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[1] Tarcisa
[2] Ao contrário do seu desejo, o poeta está sepultado em cova comum no cemitério da Velha Marabá
[3] Corina
[4] Suicida que era, Aziz também cortou os pulsos e acabou se enforcando numa árvore ao fundo do seu quintal.

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                                                         Espinhos

Não, não me deixes mais sozinho,
caminheira errante dessas vias,
viciada em percorrer caminhos,
inferno este dos meus longos dias...

E partes de maneira inoportuna,
embora eu peça, implore, não me escutas.
Inconsciente, persegues tal fortuna
- miragem que tu chamasminha luta”.

E eu inútil, nem posso acompanhar-te
pois se não sei o que queres e o que buscas
nos momentos em que sinto evaporar-te –

- a cada volta, satisfeito o teu capricho.
nem te dás conta do tanto que definho
com minha cruz e meu cocar de espinhos.

Sempre e sempre

Ocorrem-me lembranças vagas e desertas
de vidas outras, em horas como dantes.
Eu não sabia destas que despertas
com a lembrança onipresente dos amantes

e encho-me de cismas e de espanto-
Não sei se é real e se estou certo
que estou vivendo em tal o breve encanto
e o que será de mim, quando me ver desperto.

Concede-me, Senhor, viver a espera
e não me encurtes a vida enquanto isso.
Ah, se dormisse agora, quem me dera...

E acordasse, e vive e despertado,
e que ao vê-la inteira e preparada
pudesse tê-la sempre do meu lado.


Os anjos que vieram

os anjos não disseram nada.
Vieram os três, a três chamados,
olharam a minha vida destroçada
e foram embora ainda mais calados.

Um, era a Morte, o que chegou primeiro;
o outro brilhava numa luz intensa;
o terceiro era uma espécie de coveiro
- enigmas cruéis desta saudade imensa!

Chamei-os em transe agudo, desvairado,
não tendo um lenitivo ao meu alcance
para a dor passada em pranto desolado.

... E não disseram nada, nem aliviaram
a pena que teima, enquanto avança
na direção do peito que mataram.
(1991)

No bar do Orlando

vem ela outra vez acompanhada.
Quero não vê-la, mas infelizmente,
é mesmo ela quem passa sorridente...

E nem me viu a fitá-la inconformado;
nem um olhar se dignou a dar-me.
e despeitado ou desesperançado
fui ao Bar do Orlando embriagar-me.

Ninguém dessa tortura apercebeu-se,
pois na face contorcida de agonia
um sorriso magoado aparecia.

Mas, após um trago e mais outro trago ardente
do copo amigo pousado à minha frente
seu descaso tornou-se indiferente.
(Marabá, 1968)
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O suicídio do poeta pegou a todos de surpresa e comoveu amigos e contemporâneos. Um deles, Amin Zalouth, igualmente de origem sírio-libanesa, dedicou-lhe este belo poema:

Réquiem para Aziz
(março/2003)

Que tristeza teres ido embora assim, Aziz...
No passaporte, apenas visto de partida.
Nenhuma palavra sequer de despedida!
Mas eu espero, nessa tua outra vida,
compensando a existência aqui sofrida,
tua alma n’outro plano consiga ser feliz.

Caro demais o preço da tua procura!
Deste-te fim num gesto de loucura
e sem te preocupares com palavras de censura,
chutaste o balde transbordante de amargura...

Melancólicos no fim da tarde madura
dobraram por ti sequer os sinos da matriz?

Foste assunto para tantas, em cada esquina,
Línguas compridas, afiadas, sibilinas
das comadres, vorazes aves de rapina,
vendo-te imóvel, cheirando a naftalina,
a julgar tua sorte, a tua sina,
como se fossem da tua vida o juiz...
Inerte agora, sozinho numa cova,
não ouves quem tua ida chora, reprova.
Quem te deu na última hora uma prova
de amizade? Amigos? Amigos, uma ova!
Quem leu p’ra ti, na despedida, uma trova,
ou ofertou uma rosa, um jasmim, uma flor de lis?

Aqui, a vida mudou pouco, quase nada:
nosso minério indo embora pela estrada,
o sol castigando as ruas, as calçadas,
a lua brilhando intensa n’alta madrugada,
e logo mais, quase manhã, na alvorada
flores serão arrancadas com galhos e raiz.
Renunciaste à tua cruz, ao teu calvário...
E não se encontra em qualquer livro ou dicionário
tanta coragem para fazer o itinerário
da estrada onde agora segues solitário,
sem dia, sem noite, sem regras, sem horário,
rumo à luz branca, intensa, alva como giz.
Era cedo ainda para ires embora,
mas, disse o poeta, quem sabe faz a hora,
e tu mesmo podias ver a atua aurora.
Partiste. Aqui, a lembrança se demora...
Rezamos por ti. Vai em paz. Sejas feliz.
Mas foi triste teres ido embora assim, Aziz….

Antônio Maranhão

Quaradouro, 25.06.2007
Antônio Maranhão nasceu em Imperatriz (MA) em 30.10.1921, e ainda jovem migrou para o sudeste do Pará, onde meteu-se por 25 anos nas frentes pioneiras do negócio de castanha-do-pará, jornada em serviço público e alguma atividade política, comunista confesso que era e, mais ainda, humanista radical, inconformado com a brutal exploração do trabalhador no extrativismo, no transporte fluvial da produção, uma e outra atividade onde se perdia a vida como quem vai ao bar tomar uma aguardente. Sua opção política valeu-lhe prisão e tortura no regime militar.
Apesar da faina dura, sem trégua, sem direitos trabalhistas ou humanoscircunstâncias que marcaram o labor durante todo o século XX nesta banda esquecida do mundo, Maranhão ainda reservou um tempo para transformar em verso seus protesto contra as desgraças que vivenciou (e que permanecem até hoje , nos registros modernos da imprensa ou nos arquivos da Justiça comum e do Trabalho).
Parte desses poemas foi juntada por amigos e publicada em Conceição do Araguaia em dezembro de 1996 sob o títuloBatismo sem sal”, produção independente com 44 páginas e apoio cultural de pessoas e entidades sediadas naquele município. Em 1998, exemplos da sua poesia sensível e comprometida com a Amazônia foram publicados na minhaAntologia Tocantina”, que me valeu sete anos de pesquisas sobre a produção literária em Marabá e teve patrocínio da Fundação Casa da Cultura.
Antônio Maranhão morreu aos 77 anos à noite de 37 de julho de 1998, em Belém, na Beneficência Portuguesa, onde esteve internado por 15 dias.
Uma amostra da sua verve:

Triste verdade

Andei muito chão
vi homens e mulheres sem trabalho,
ouvi velhos invocando a morte
e crianças abandonadas ao longo
de estradas riscando o sertão sem fim.
Vi cercas retilíneas, curvas, infinitas,
separando destinos.
E dominando a paisagem o verde da pastagem
Contrastando com a alvura do nelore no pastoreio.
Curiosamente, na vastidão das distâncias
Percorridas, não encontrei
- por incrível que pareça –
Um bezerro abandonado.
Meu Deus... Estamos entrando no 3º. milênio.

Círculo de giz
(Aos meu amigos mui amigos)

Não sou poeta.
Sou, simplesmente,
o menor filho de uma égua
que Deus, na sua teimosia,
jogou sobre a terra
para trotear, sem parar,
as estradas que nos prepararam
para pagar os meus pecados
e as infâmias de outros tantos
colocados no mesmo círculo de giz
que o destino me traçou.

Entre o ser e o não ser
recebo a minha sela
e disparo pelo mundo afora,
até que um anjo menos quadrado
tenha pena de mim.
Amém.

Aos meus heróis do Araguaia
(Ao Osvaldão, tão amado e desamado
Como convém a um guerrilheiro que se preza)


Companheiro:
segura a tua mão na minha mão
estende teu olhar inquieto
nas encostas da Serra das Andorinhas
e andemos lentos e compassados
pra que não quebremos
a quietude dos ermos capinzais
vazios de homens e esperanças!

Companheiro:
ajoelhemo-nos contritos
segurando ainda as nossas mãos
para que, balbuciando uma reza,
possamos escutar o lírico sermão
dos guerrilheiros que tombaram
acreditando na ressurreição dos campos
transformados em trigais imensos!

Companheiro:
levantemo-nos agora do chão morno
cheirando ainda a sangue e suor
e relembremos os predestinados campônios
abatidos na hora da fuga
sob o sibilar de chumbo e gritos
agourando o tempo e o futuro!

Companheiro:
rezemos em silêncio um salmo
que exista dentro de nós mesmos
para que não acordemos
os esquecidos heróis que repousam
no seio úmido da terra saqueada.

Companheiro:
na hora da nossa dádiva, ofertemos
para eles uma rosa vermelho
um verso bíblico de Jeremias
e as estrelas do céu
espelhadas nas águas do Araguaia.
(Xambioá, 03.10.91)

Augusto Cézar Bastos

Quaradouro, 20.04.2007
Augusto Cézar Bastos nasceu em Itaguatins, Goiás, no começo do século XX. Em 1920, iniciou seus estudos em Marabá (PA), para onde a família migrou. Em 1928, vivendo em Belém, convive com intelectuais paraenses, entre os quais Bruno de Menezes, Campos Ribeiro, Jacques Flores, dedicando-se à boêmia e à poesia. Em 1933, abandona os estudos universitários e muda-se para São Paulo onde engaja-se como soldado, na esteira do movimento constitucionalista, mas logo abandona a farda, retornando à vida desregrada até 1938. Além de soldado, foi jornalista, dentista prático, vagabundo em Santos, agrimensor no Rio de janeiro. Em 1939 retorna à casa paterna em Marabá, entregando-se de vez ao alcoolismo e quase morrendo em conseqüência disso. Em 1964 voltou a Itaguatins, onde tornou-se funcionário público municipal.
“O que restou dos sonhos” é seu único livro publicado (50 páginas, 15 poesias, Goiânia, 1981), graças a um amigo que conseguiu reunir fragmentos da sua obra, quase toda perdida para sempre. Quando dessa publicação, patrocinada pelo governo estadual, Augusto Cezar Bastos tinha 60 anos. Ignoro se ainda vive.

Alucinação

Faz tanto frio, tanto,
e eu, doido a morrer de frio e espanto,
passo a correr pela cidade morta.

Paro diante de umas velhas casas.
Ouço o bater tétrico de asas
e o rangido soturno de uma porta.

Faz tanto frio, tanto,
e eu, doido a morrer de frio e espanto,
volto a correr pela cidade morta.

Eu e minha rua

Minha rua é quase feia
Tortuosa, esburacada,
Mas nenhuma é mais bonita
Nas noites de lua cheia.

Crianças brincam de roda
Cantando “três cavaleiros,
Todos três chapéu na mão”,
Vão levantar Terezinha
Que rolou, caiu no chão.

Tem buracos onde a água
Vai brincar de se esconder.
Nas calçadas o luar
Dorme até o amanhecer.

Com cantigas nas calçadas
Minha rua é como eu:
Quase alegre olhando a lua
E no luar encontrando
Um sonho que se perdeu.

Violino do Diabo

Não sinto mais o odor dos tempos refloridos
e as cascatas de luz não trazem mais alento
aos frangalhos que são os meus cinco sentidos
saturados que estão de todos os tormentos.

Vão longe as ilusões dos tempos idos.
Tenho no peito temporais violentos
e nos meus olhos trago refletidos
o pensamento atroz e a dor desses momentos.

Tenho noites sem fim, de sonhos povoadas
e ao ver o sol eu sinto tristemente
a certea cruel das frias alvoradas.

Meus nervos hoje são as cordas retesadas
de um violino que o diabo fez presente
a outro diabo que vive às gargalhadas.