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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Professor. Poeta


João José Gomes Martins nasceu em Juazeiro (BA). Formado em Letras (UFPA). 
Músico, compositor e professor. Em 2009, ganhou o Prêmio Destaque da Educação
ao vencer o I Concurso de Poesia "Professor(a) Poeta", organizado pela Prefeitura de Marabá/Secretaria de Educação/Casa do Professor, com o poema "O Papel".
Os poemas, a seguir, integram a coletânea inédita “A marcha da canção funérea.


O papel


Preciso expor nele o que devoro em mim internalizado.
E como a nuvem carregada que ao ferir-se no raio
                                    [verte água, lágrima e suor conservado
Para depois vivificar o fausto Sol no do céu.
Devo sangrar-me com a palavra que abre a luz e clareia o véu.


Eu quero rabiscar, desenhar, pintar, compor.
Mesmo que as imagens avivem angústia, dor horror, desamor.
E como rimam as palavras em contentamento,
Cobiço em versos, secar as lágrimas do meu inocente desalento.

Não, não quero que o papel permaneça em branco.
Não quero que método encerre e proíba o pensar melodioso do canto.
Não quero que seque em Betinho o anseio sedento que o amplia.
Nem que do seu formigado cantinho veja perder-se,
                                                                     [ilusoriamente, a sábia Sofia.




A obrigação é mesmo o degredo das almas
Que ainda pequenas sublima o amar, o urro, o assobio.
Então não castre os sonhos de quem é sonho apenas,
E nunca imprima o castigo silencioso e vazio.

Não comunique com arrogância o que acomoda a ânsia, as vozes
Que ecoam miseravelmente das grades nas arenas ferozes.
O medo fugaz silencia unicamente os sussurros de pavor.
Libertai-nos! Libertando-os de tanto e cruel terror.

Não camufle o prazer que mágica alegria irradia.
Alimente na mente outra o que a esperança amplia.
Avie atitude no labor fervente e inquietante de todo dia
E jamais se espreite na proteção da intolerância arbitrária e fria.


Exculpam em pedra bruta, flores de matiz colorado.
Versejem atos e fatos de amor no outro amado ao lado.
Calculem matemáticas nas curvas das estradas
                                                    [e no vão distante dos caminhos.
Avaliem igualmente a média aritmética ponderada dos espinhos.

Faça arte em vidas que, às vezes, são pequenos pedaços.
Registrem lições de paz para os sem pães, sem Camões,
Mas que se lapidadas as histórias, desvendarão os percalços
De mentes envolvidas em mormaços e em sermões.

Faça ciência na poeira da soleira.
No barro oco arranje escultura,
Altura e expressão da figura.
E o resto, o esclarecimento definirá
Em que rumo a vida me levará.  



O destino em construção

Era ele assim: ignaro, indolente.
Erradio, vago e negligente.
Percorria veredas de contradição,
Em si tinha competente a urgência da atuação.

Queria o prazer imediato e sentia em si latente,
O desejo do viver inconseqüente.
Não percebia o insólito, que a incipiente dileção,
Não emana jamais da edaz simulação.

O que lhe ia dentro era ave corvídea, águia rapinante, carcará do sertão,
E na altura da soberba despia-se deveras de toda compreensão.
Porém nem sequer deduzia que a vida audaz que perseguia,
Sem culpa a impelia a imensurável decepção, degredo e consternação.

Não tendo tardado, sentiu desabalado o destino lhe doer à intuição,
De que sobre os ombros suportaria desmedida opressão.
Estigma da imperiosa missão que lhe estava por obsessão,
Insculpida nas linhas que lhe cruzavam a palma da mão.

As misteriosas linhas previam que vida longa ia alcançar,
Porém uma existência sórdida e vaga ele havia de festejar.
Os traços cruéis sugeriam estar o cabra moldado por cruz própria,
A ser um Ser por predição condenado a viver na mais pura inópia,

O mistério era o porvir que vivia a arremedar,
E em arrimo improvisava paródia para sua missão arrebatar. 
Do mesmo modo que não sabia se deveria em sortilégios confiar,    
A sua ditada sentença nas curvas do desatino por certo ia esgarçar.

O insano infiel sem arreio e sem firmamento,
Ardia-se com a maldita desdita cruel do julgamento.
A argúcia então lhe inferia que sem teoria,
o ocaso do acaso por parceiro em si lhe havia.

Proferindo apelos aos santos sem qualquer distinção,
Alcançou apenas o senão, a lástima e a amolação.
Deixar-se-ia enfim abrigar em si a torpe sina,
Ou a revolveria como um bravo com as próprias mãos?

Com a arrogância decida de quem abafa a emoção,
Um deserto feroz veio falar-lhe ao coração.
E inferindo abarcar enfim a estouvada ocasião,
Desprezou com alarme os rogos de sua obscura razão.

Assim fez-se duro feito mata de catingueira,
Afiado que nem espinho que brota da flor na pedreira.
Pensou ir longe sem engano a sua imaginação ligeira,
Esvoaçando alto o céu como se fosse a ave condoreira.

Cantou sonhos e cantorias em viola seresteira.
Libou vinho, saudou santo, pulou brasa de fogueira.
Contou causos e histórias de cordel de repentista de feira,
Improvisou da rima como se a alta estima fosse sua parceira.
Amou grácil flor menina intata, graciosa e faceira,
Seduziu dona séria se deleitou com a bela rameira.

Tecia na rima a mulher como árvore frondosa,            
Quefruta doce, macia, lisa e deleitosa.
Quanto mais se abraça, se come, lambuza e gosta em ação,
Mais lhe rende agonia, prova e tentação,
É bicho malvado que carrega segredo e desilusão.
É flor que machuca sem doer, mel que amarga o coração.
É passo dado apressado pra se perder de aflição.

Mas ele que era extremado e carregava dentro a hesitação
Moveu-se outra vez, talvez, pelo insulto da alucinação.
Esquecendo-se de repente das amarras da tribulação,
Deu forma em seu pensamento a uma tênue decisão.

Bradou pra si mesmo que seguiria agora a sua remota aspiração,    
Nos rumos do Norte acharia por certo a sua perseguida porção.
E zunindo feito tonto besouro, sozinho feito um demente touro        
Nas matas do Xingu se embrenhou a procura do fulgor do ouro.

Fumando cigarro de palha, cortando a ferro e facão.
Quis arrancar do flúmen à pedra brilhante que em delírio via.
Escavando com animosidade um abismo no inculto chão,
Enfeitiçou-se e enlouqueceu na argúcia que o iludia.

Sentindo, um dia, largo lampejo acender-lhe a visão,
O desdenho que ecoou fez-lhe entender a questão:
O sopro nas ventas dera-lhe a divina providência,
Mas abastar-lhe de fortuna não era ato de sua evidência.

Inanimado, medroso na lastimosa solidão,
Sentiu o escuro manto invadir-lhe o coração.
Deplorando como alma penitente em aflição,
Viu a existência vil conspirar e vexar o cidadão.

Humilhado, inapto, inerme e lento,
O homem se sentiu preso à maldição.
Envolto em martírio, fuga e lamento,
Acuou-se por urros na pesada situação.

Ah! Homem de nome e pensamento,
Se calculasses a exaustão que ele sentira nesse momento,
Imploraria pra que se esse fado fosse apenas fingimento
E que o esconjurasse exigiria desse inumano sofrimento.

-Sabei vós, por acaso, oh, Deus!,
  Por que a vida que para os seus gera
  Às vezes, carrega tão severa maldição?  

-Se possuísse esse torpe a agudeza do agir        
 Apego que incita o forte a arriscar-se,    
 Dar-lhe-ia eu mesmo, asas para afastar-se
 Do caído abismo em que quer sumir.
 Quem sabe assim esse abatido enfim admitisse
 Que a rapadura é doce, mas mole não é não.
 E assim além dos quintos do inferno sentisse
 Que avião é bicho que voa alto então
 Mas não tem as garras que nem o gavião.

Se agora esse cabra da peste expirasse por efeito
Uma cruz no seu peito com fidúcia o encerraria.
Num frígido ataúde o sujeito ambíguo sepultaria
Abaixo dos sete palmos que até o vago tem por direito.

E o filho da outra que o dia fatídico anunciou
No barro frio um epitáfio nuvioso anotou:
“Andou sem causa e sem brio esse que aqui jaz.”
Seria ele filho de Deus ou filho do contumaz?

Relata o cordel encantado que eu leio
Que essa história trágica deu-se sem enleio.
E sem remissão, clemência ou rodeio
Diz que o Ente tornou à merda de que veio.


Poemação

  
Travas quem não te bebe!
Pus, que feridas percebes?
Amargas, pois quem não te come.
Ávido o engulho, orgulho tens nome.

Destila então teu acre veneno!
Condenas, pois teu podre poder!
que sem prazer teu luzir é pequeno.

Vidas? Vidas pequenas!
Oprima com o teu eco viril, vil, servil.
Omita a luz, a vida!
E desvende os cruéis pesadelos que o escuro reluz.

Vidas? Vidas humanas!
Ouça os ganidos que do muro emana!
São lamentos do próprio calvário
De uma raça queramas aos frutos que engendra da lama.

Liberta a ferrugem da esfinge
Que a tranca e a métrica cria.
Veja! O espírito criador à espreita espia!
A tétrica macabra sorte
De escrever versos da alma nessa lápide fria.

Pensa então que saber ver
Arde, verdade, realidade.
Executa então que a fonte escuta!
O brado que não é vago e tonto.

A voz sem culpa julga-se pronta.
Afronta o Eu dos seus ao bel prazeres.
Não avalia então que avaliar é tirania.

Traduza enfim o rigor do funesto diário,
Sem beber no protesto arbitrário.
Porque o sonho refletirá luz de intenso claro
Se o homem se tornar libertário.
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