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sábado, 21 de maio de 2011

Parsifal Pontes, caboclo do Tocantins


Rio Tocantins

Tocantins quando eu nasci,
ouviste quando eu chorei.
Chorava de amor por ti,
minhas lágrimas te dei.

Tocantins eras meu rio.
Mais que um rio, eras meu mar.
Nas noites negras de frio,
escutava tu passar.

Passavas bem de mansinho,
devagar a deslizar.
O caboclo fininho,
nem precisava remar.

Nas tuas costas levavas,
muita estória pra contar:
desde o cavalo de asas,
às juras de amor ao luar.

Eras tu que me levavas,
para em tuas águas brincar.
Eras tu que me chamavas,
querendo me carregar.

Tanta vontade eu tenho,
daquele tempo voltar.
Hoje a ti não venho,
os meus prantos lamentar.

Eu cresci, virei adulto.
O encanto se quebrou.
Da criança, nem o vulto.
O menino se encantou.

Foi embora nas tuas águas,
em cima de um mururé.
E se perdeu nas tuas vagas,
no encontro da maré.

Cobra grande o engoliu,
mãe d’água o enfeitiçou.
Quem sabe foi no navio,
que na enseada aportou.

Tu também, meu caro amigo,
de ti mesmo descuidou.
Te desgostaste contigo?
Ou comigo que aqui estou?

Aquela ilha, onde está,
que mais parecia um mundo?
Olho e vejo por ,
mato triste e moribundo.

E o pedral onde ficava,
aquele cavalo encantado,
Que tinha o rabo dourado?
Tudo perdido. Acabado.

E os gaviões da montanha?
Onde foi aquela gente?
Que diferença tamanha!
Tudo está tão diferente!

Que a vida nos tome a nós.
Bravo rio, meu bravo mar.
Tu em busca da tua foz.
Eu buscando o meu lugar.

São caminhos divergentes,
os que devemos trilhar.
Mas por mais que eu me ausente,
sempre venho te encontrar.

Vais sempre ser o meu rio.
Vais sempre ser o meu mar.
Do menino que fugiu.
Ao homem que vês chorar.

E quando um dia eu me for,
desta para outra vida.
Não chores, não sintas dor,
não será uma despedida.

Eu volto, meu caro amigo.
Uma lenda há de nascer.
Hei de me encontrar contigo,
logo depois que eu morrer.

Nas noites de lua cheia,
se alguém te olhar vai me ver,
Brincando com tuas sereias,
gargalhando de prazer...


Ícaro sem asas

Ai serras da minha terra
Ai mares que são rios
Ai terras destas planícies
Que planaltos querem ser
São verdes estes meus vales
São negras estas crateras
São terras do meu viver.

Quero cantar estas plagas
Quero boiar nestas vagas
Mergulhar nestas chapadas
Morrer nestas madrugadas.
Correr por entre estas terras
Dormir no cume das serras
Pra depois ressuscitar
Nas asas desta agonia
Nestes rios que são mar.

Como eu amo estas paragens
De planícies sorrateiras
De finadas cachoeiras
Dos galhos das castanheiras
Que hoje são invernadas
Destas terras queimadas
Que hoje são capoeiras.

Que depois da coivara
Se deitam nas ribanceiras
E matam a sede do chão
E brotam como semente
Deste meu peito silente
Que ampara esta solidão.
A solidão destas serras
Das planícies desta terra
Que planaltos querem ser.

Voando nestas paisagens
Feito um Ícaro sem asas
Com asas no coração
Com o coração nesta terra
Com esta terra na mão
Que afaga o verde das matas
Que rola pelas ladeiras
Que cai nestas capoeiras
Que bebe nestes riachos
Que aqui busca regaço
Pro apertado coração.

Coração que é uma planície
Deitado sobre esta terra
Que bate e que se agonia
Que baila e que rodopia
Do alto desta paisagem.

Que mergulha neste rio
Que treme quando faz frio
Que chora quando se lança
Que para quando se cansa
Que levanta em frenesi
Quando a vida se faz curta
Quando o tempo não escuta
Quando é breve este porvir.

Coração apaixonado
Que grita em peito calado
Que voa como andorinha
Nestas terras e estas serras
Nestas curvas deste rio.

Coração não te aquieta
Não bate assim devagar:
Explode nestas quimeras
Espalha-te nestas serras
Deste Sul do meu Pará!


O porco d’água

O rebojo estoura em branca vaga.
A vaga em branca espuma se transforma.
Na espuma se debate o porco d’água.
Na água feita pedra o suor jorra,
Salgando o Tocantins com o peito em mágoa.

Procura em desespero uma paragem.
O aço em suas mãos às costas traça.
A vida o faz nadar, não a coragem.
A o faz viver, não a desgraça.
Não o mundo o faz sonhar, mas a viagem.

O ronco do motor soa no ar.
O barco em suas mãos está então.
Não ouse o porco d’água fracassar.
Não ousem os seus esforços serem em vão.
Seus olhos logo achem onde amarrar,

Pois no bolinete pronto estão,
Marinheiros febris a esperar
A mão do porco d’água a acenar
Em sinal de sucesso e de descanso,
O barco rio acima se içar.

Ele agora sossega no remanso.
Como ariranha deita as cotas a remar.
Mergulha, olha as pedras, na esperança
De sempre um diamante a vadiar.
E bóia como aninga que se lança

Do fundo para a tona em espinhel.
E pula, pedra em pedra, vaga em vaga.
E agarra no passeio do motor
Que em mansas águas se balança,
Depois que o cabo ao bolinete se esgotou.

Num salto está na casinhola,
Pingando o Tocantins do corpo inteiro.
Nem lembra mais da liça, pois agora,
O Rio manso acalma o marinheiro.

Toma um moca quentinho, em esmaltada
Caneca que na lenha se ferveu.
Na camarinha pisca à moça, inda espantada,
Contado do rebojo que venceu.

No convés se deita olhando o Sol
Que seus olhos em sonhos faz fechar.
Quando os abre se espanta, é arrebol,
A lua a pouco vai brilhar.

Porco d’água, teus sonhos e tua luta,
Mergulharam no castelo da Iara.
De ninguém mais teu grito escuta.
Calaram, como a Capitariquara.

Saudades de ti garboso infante.
Teus feitos muito ainda hão de brilhar
Tão claro como brilham os diamantes,
Teus sonhos outros sonhos vão sonhar...


Canoa tocantina

Canoa que de tardinha,
Com o Sol quase morrendo,
Passa às margens da Matinha,
Com o Tocantins correndo.

Desliza o Rio com carinho.
O remo à popa batendo,
Afunda devagarinho,
Sutil rebojo fazendo.

Nas costas do velho Rio,
O caboclo vai remando.
Da tarde curto o pavio,
Vai pra casa regressando.

As luzes do cais do porto,
ensaiam se acender.
O vento, que é leve e solto,
Vem as águas remoer.

A canoa baila solta,
Na mareta que se enruga.
O caboclo o remo amoita,
Para ao casco não dar fuga.

Vai descendo de bubuia,
Mais parece mururé.
Passa em frente do fubuia,
Cheirando a tucunaré.

O farol na ponta avista,
Quase em casa pra chegar.
O vento assopra e ele pisca,
Lembrando de Cametá.

O Sol agora é finado
E a canoa sombra é,
Mas não tem pressa o danado.
Tocantins não tem maré.

Canoa, toma cuidado!
Tu não tens nem lamparina...
Facilitas um bocado,
Navega pela beirinha.

No remo o caboclo descansa.
Do bolso o porronca tira.
A Lua pro alto avança,
Mas é no Rio que se mira.

na feira a barca passa
E o porronca no final.
O caboclo, a proa traça
Na direção do Mangal.

A canoa sabe o rumo
E acelera o remo o passo.
O caboclo pega prumo
E dá cadência ao compasso

Rema, caboclo, ligeiro!
Pois enquanto tu tragavas,
O vento, morno e faceiro,
Em teu barco viajava.

Se não cuidares na reta,
Vais chegar na ponta grossa:
A pirarara te pega
E a cobra grande te enrosca.

O caboclo aperta o remo
E a canoa faz bigode
Num Tocantins sereno.
Afinal, o caboclo salta,

No raso da ribanceira.
A Lua brilha alta
E a canoa sobe à beira
Pelo caboclo puxada.

Agora descansa em terra,
Vai dormir iluminada.
Ser pasto de vaga-lumes
E acordar na alvorada.

E de novo correr água,
Fazer mais uma empreitada.
Esta sorte é que lhe cabe,
Quando finda a madrugada.

E voltar de novo ao porto.
Vai ser sempre esta a sina.
Do caboclo leve e solto
E da barca tocantina...