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sábado, 16 de julho de 2011

Cores

Ademir Braz


 photo credit: Piotr Zurek
Em junho as noites são frescas e doces. Os bares põem cadeiras aolongo do cais, e ao embalo das águas passa-se o tempoToca às vezesmúsica dos anos sessenta e ouço a brisa em minha pele ressequidapor antigos verões
Na outra margem, a praia é um corpo de mulher esparramado ao luar.
praia!... Do alto da montanha que abriga a igreja de Nossa Senhorada Penhameu coração incontrolável arremessou-se aos ventos e espatifou-se para sempre nas areias da capixaba Vila Velha
(De Alagoas, não faloSob o céu alagoano respira uma pequena sereia de olhos claros e ferro nos dentes que faz programas com marujos e bucaneiros enquanto sonha com um cavaleiro encantado que virá, entre fadas, arrebatá-la num corcel alado).
luz do verãopara mimanimal notívago, recorda crises de sinusite. Doem-me a fronte e as têmporas, dói o respirar, é difícil conciliar comsol a ternura da cerveja repousada entre espumasUm diaumamigo ensinou-me um remédio caseiroeu deveria, disse elecortarem 4 partes uma buchinha, depois em outras 4 porções e, por fim,colocar uma dessas divisões mínimas de molho durante um dia em 20 mililitros de água destilada. Segui à risca o conselhoDepois bebi, envenenei-me, morri. 
Não era de beberera para botar uma gota duas vezes por dia nonariz.
Todas as praias são bonitas, suponho. Do Nordeste conheço poucas - uma ou duas de Fortaleza, uma de São Luiz - e algumas, no Paráquesequer constam dos mapas turísticos. Ilha de Romana é uma dessas,até onde sei. Para alcançá-la, tive de adular quase uma semana os pescadores artesanais que partem da corrutela chamada "Abade", próxima às espantosas ruínas de Curuçá, e que me largaram em pleno mardistante da praia, a pretexto de que era raso e não havia porto nem como o barco chegar mais perto da terra firme.
Caminhei mais de um quilômetro no marcom a água pela cintura,mochila às costas, a companheira travada de pavorEntão o paraíso desabou diante dos meus olhos: uma prancha de areias finas como saligualmente brancas, 16 pessoas vivendo entre "currais de peixe", muito sol e uma solidão luminosa sob a qual se passa e repassa o sentido da vida e de repente nada existe além da cumplicidade eleitaentre o olhar e a presença áspera do mar.
Recordo que fiquei um mês longe de rádiostevêsjornais, vendo a luzdar ao mar nuanças do verde-safira ao róseo-açafrão, cores que tive de nomear assim mesmo para melhor retê-las no fundo dos olhos e do coração. Lembro de um único livro que andava comigoentãoentre pães ressequidos, aguardentecharqueaçúcar e saquinhos de café: uma coletânea dos ensinos de Rajnheeshi sobre o amor sem fronteiras sem normas e da necessidade de perceber-se que viver é o ato que se renova permanentemente, a cada instante.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Idelma Santiago, Pesquisadora


Narrativas de Formação:
Experiências e Identidades de Camponeses





RESUMO:
A história recente do sudeste do Pará, Amazônia Oriental brasileira, é marcada pelas culturas de migração. Assim, os sujeitos do presente trabalho – camponeses migrantes – estão inseridos neste contexto e suas narrativas de experiências de vida participam da (re)construção de memórias e identidades, afirmando uma dizibilidade camponesa dos processos de ocupação da região. O contexto de produção das narrativas (escrita e imagens), objetos de análise e descrição neste trabalho, é o da formação inicial de educadores do campo, através de dispositivos curriculares de abordagem das histórias de vida como projeto de formação e conhecimento. Os principais questionamentos adotados nesta abordagem referem-se ao contexto da produção narrativa sobre as experiências formadoras significativas e como elas referenciam processos de reconstrução de identidades.
PALAVRAS-CHAVE: Formação. Histórias de Vida. Identidades.



INTRODUÇÃO


            Este estudo não se restringe a uma proposição intelectual sobre a história de grupos subalternos – camponeses – naquilo que suas narrativas de experiências de vida fornecem como evidências empíricas de suas existências, mas especialmente como o contexto da produção dessas narrativas em grupos de formação tem possibilitado produções discursivas de identidade de inscrição desses sujeitos num grupo social. Isso tem evidenciado que esses processos compartilhados – em contextos de interação e explicitada intencionalidade educativa – de produção narrativa de histórias de vida tem se constituído espaços de recriação e reiteração de uma memória coletiva camponesa da região. Além disso, o uso do lastro comum pode ser considerado como hipótese de que a organização de memórias e sentidos comuns não só contribuem para a integração ao grupo, mas constitui estratégia de resistência coletiva – de luta pela memória e de maior reconhecimento na história.
A abordagem de narrativas de experiências de vida requer a adoção de uma concepção interpretativa que extrapola o espaço prescritivo da ciência[1] rumo a uma maior afetividade do conhecimento, isto é, à possibilidade de compreensão pelo envolvimento, de reconhecimento que “há um engajamento em todo ato de compreensão”.
  
É aqui que a concepção alternativa de Hans-Geor Gadamer (1997) surge relevante. Para ele, a compreensão não está associada ao exercício de uma técnica ou de um método despojado, ao máximo, de preconceitos. A compreensão é um encontro – no sentido existencialista do termo – e um confronto com algo essencialmente diferente de nós. Para Gadamer são justamente as idéias preconcebidas e os preconceitos que possibilitam a compreensão. Compreender, portanto, não significa um exercício de distanciamento de nosso próprio horizonte de significações; indica, antes de tudo, uma fusão e construção de uma amálgama de nossos horizontes com os horizontes dos outros (GONSALVES, 2006, p. 253).

Assim, não se trata apenas do desafio referente à adoção de categorias teóricas adequadas e pertinentes às evidências empíricas ou mesmo das táticas de poética textual, nem somente de contextualizar a produção dos materiais analisados, reconhecendo seus usos pelos autores, mas de assumir que a interpretação modifica o objeto apreciado, o constrói enquanto tal. Por isso, ressalto três aspectos importantes da produção e análise dos relatos de experiências de vida, objetos deste trabalho. Primeiro, que esses materiais foram produzidos em atividades formativas sob minha orientação nos cursos de formação de educadores do campo. Segundo, que minha descrição e análise estão engajadas e comprometidas com a intencionalidade de reflexão da própria prática e de subsidiar sua transformação. Terceiro, compartilho, biograficamente, elementos da memória e do horizonte de expectativas do campesinato como sujeito coletivo no sudeste do Pará. Além disso, estou de acordo com Marina Maluf (1995, p. 28) que afirma que “todo texto se desdobra e se multiplica, podendo ser lido a partir de inúmeros significados. O que existe são perspectivas da realidade, e nenhuma delas esgota completa e definitivamente quer a análise quer a descrição”.
Ainda que me apóie em trabalhos precedentes com memoriais produzidos em processos de formação, neste momento recorri, especialmente, às produções narrativas de duas turmas de formação de educadores do campo: uma turma da Licenciatura em Educação do Campo (LPEC, 2010) e uma turma de Especialização em Currículo, Cultura, Letramento e Educação do Campo (2009/2010)[2]. São cursos realizados na UFPA/Campus Universitário de Marabá e os trabalhos foram produzidos em oficinas de história de vida.
Em ambas as turmas as atividades eram alternadas entre momentos de produção individual, de interação em pequenos grupos, de socialização na turma e de estudo/debate de textos. Na turma de especialização os momentos de produção individual foram realizados no Tempo-Comunidade do curso, no período de novembro/2009 a janeiro/2010. Na turma de licenciatura, todas as atividades da oficina ocorreram no Tempo-Universidade, no mês de agosto de 2010. Essa dinâmica de interação imediata, na LPEC, pode ter contribuído para uma maior ocorrência de ajustamento da produção narrativa individual decorrente da retroalimentação da comunicação dos trabalhos (em texto e imagens) no grupo.  Também nessa turma, a oficina de produção das narrativas foi precedida de uma oficina lúdico-terapêutica que, além de sensibilização dos participantes, constituiu para eles um saber precedente (autoconhecimento). Nas duas turmas, a orientação foi semelhante, devendo representar suas experiências de vida, consideradas significativas em seus processos de formação, realçando a genealogia familiar, as paisagens de vida, as redes de sociabilidades, a educação doméstica e escolar e as experiências de trabalho. Portanto, trata-se de narrativas de formação produzidas sob certas injunções, especialmente didático-pedagógicas: da objetivação das experiências através da linguagem, da existência de um plano e roteiro de orientação (centralidade de alguns referentes) e da presença do grupo de interação.
Os materiais podem ser categorizados como memoriais de formação (PASSEGGI, 2010) desde que compreendidos numa vivência-experiência formativa que prefiro denominar de história de vida em formação. Por duas razões. Uma primeira, porque concordo que as atividades que tem sido realizadas nos cursos de Educação do Campo expressa o conceito de Pineau (2006)[3] que define o trabalho com história de vida como uma corrente de pesquisa-ação-formação existencial e sua preferência pelo termo história de vida “apontando para a construção de um sentido temporal, sem privilegiar o meio social e material da construção” (p. 340), por exemplo, podendo incorporar as diversas modalidades oral, escrita e visual. Uma segunda razão, pela concepção de emancipação nela articulada.

As histórias de vida em formação têm como pano de fundo o projeto de emancipação do sujeito, preocupado com a reflexão sobre a experiência, como uma prática libertadora, na perspectiva de uma ação educativa democrática, inspirada em Paulo Freire (1987), como sublinha Dominicé (2000, p. 126). A narrativa de vida corresponderia a uma ‘maneira de resolver a contradição existente entre respeito às normas herdadas e a descoberta de uma expressão criativa’. (Dominicé, 2000) (PASSEGGI, 2010, p. 31).

Assim, a abordagem que tem sido realizada por alguns professores da UFPA/Marabá de suas práticas com história de vida tem servido para contribuir com a consolidação de componentes curriculares dos cursos sem, contudo, perder de vista a pretensão de acumular elementos para uma teoria da formação. Neste presente trabalho, pretendo abordar a questão das dinâmicas de identidade que têm sido desencadeadas nesses processos que tomam as narrativas de experiências de vida como fontes/objetos de formação. Portanto, assumo um recorte específico chamando a atenção para o ato narrativo como espaço/contexto criativo e desencadeador de processos de identificação. Considero que os elementos de identidade realçados nas narrativas não se referem apenas à elaboração significativa das vivências e experiências pessoais precedentes, mas que se trata de um trabalho – simbólico/discursivo – produtivo sobre a identidade individual e coletiva, isto é, acerca de uma narrativa (dizibilidade) de inscrição camponesa na história da região. 



1. AS OFICINAS DE HISTÓRIAS DE VIDA: práticas de formação-investigação-ação
           
            O trabalho com histórias de vida em processos de formação de educadores nos cursos de Educação do Campo realizados na UFPA/Campus de Marabá integra uma concepção e uma metodologia de formação-investigação-ação fundada na epistemologia da práxis, tendo a pesquisa e o trabalho como princípios educativos. O trabalho é compreendido não na perspectiva imposta pelo capital, mas como formação humana, devendo esse princípio implicar na luta pela superação das formas de trabalho alienado (MENEZES NETO, 2009), inclusive do trabalho docente. E a pesquisa é compreendida como conhecimento de si – processo de auto(trans)formação – e como atividade de investigação-ação na realidade – “uma pedagogia da mudança da práxis” (FRANCO, 2005).
Neste sentido, a tomada da experiência humana (THOMPSON, 1981) como práxis formativa (pessoal e coletiva), fundamenta-se numa concepção ampliada de educação, que extrapola a escola, podendo ser experimentada em diversas práticas, relações e interações sociais (MEDEIROS; ANJOS, 2009).
O trabalho com história de vida tem sido realizado através de oficinas[4], dentre elas, um momento de elaboração narrativa de história de vida, enfocando as experiências significativas do processo de formação, onde o educando/a (sujeito-objeto, ator-autor) é colocado num esforço de descrição-reflexão que constitui a experiência narrativa como um ato autopoético e aberto aos projetos (pessoais e coletivos) de auto(trans)formação. 
As oficinas de história de vida visam, num primeiro momento, à produção de saberes experienciais, pelos sujeitos educativos, objetivando a autocompreensão das dinâmicas de identidade e dos condicionantes sociohistóricos de sua formação, numa perspectiva de transformação das relações consigo mesmo e com as condições de existência coletiva. Num segundo momento, essas narrativas de experienciais de vida são fontes (como um inventário) de temas, representações e conceitos que deverão integrar-se ao processo de formação acadêmico-científico, na perspectiva dialógica e crítica.
As experiências com história de vida têm se materializado em coletivos de formação, portanto, em processos de interação e diálogo e explicitada intencionalidade educativa. Nestas circunstâncias, a dinâmica do trabalho de produção dos memoriais engloba a prática da auto-hetero-eco-formação (NÓVOA apud JOSSO, 2004).
            No curso de Licenciatura Plena em Educação do Campo (LPEC) as oficinas de histórias de vida ocorrem na primeira etapa, articulada a outras atividades educativas, que visam estabelecer “para cada educando a referência vivencial primeira, que, em contato com o conhecimento historicamente sistematizado, dá o ponto de partida objetivo para essa busca ativa de sínteses”, bem como visa construir a compreensão de que o processo de formação da subjetividade ocorre no “interior de processos sociais e históricos” (UFPA/FACED/LPEC, 2009).  Por isso, na LPEC são realizadas e articuladas na primeira etapa do curso, além da oficina de história de vida, um seminário temático – Sociedade, Estado, Movimentos Sociais, Educação do Campo e Questão Agrária na Amazônia –, epistemologia geral, uma viagem de campo de vivência e estudo da realidade regional e uma pesquisa de história da localidade a partir das narrativas orais de membros da comunidade rural de vivência ou trabalho do educando.


2. O CONTEXTO DAS VIVÊNCIAS: as circunstâncias históricas das experiências dos participantes das oficinas


A história recente dessa parte da Amazônia – sudeste do estado do Pará – é marcada pelos movimentos e trajetórias individuais e coletivas de migrantes, portadores de expectativas e necessidades diversas e conformadores de territórios distintos, por vezes, concorrentes. Por isso, nesta região, tem-se uma sociedade marcada pelas culturas de migração (CABRERA, 2002).
Os camponeses são especialmente oriundos da migração nordestina intergeracional, intensificada desde o final da década de 1960, constituindo a fronteira agrícola Maranhão-Sudeste do Pará. Estes migrantes desempenharam trabalhos alternados na lavoura e nos castanhais da região, o que indicava o movimento da ocupação de novas áreas por camponeses migrantes e pecuaristas vindos de fora. Mas, ocorreu não só o deslocamento na ocupação de novas áreas rurais, como também a criação de cidades e mercados de trabalho. A maioria dos migrantes no sudeste do Pará acumula, em suas trajetórias de vida, experiências de trabalho simultaneamente urbanas e rurais, constituindo trajetórias itinerantes numa mesma geração. Especialmente porque nas décadas seguintes, somada à motivação da migração em busca de terra (para sua reprodução social), ocorrem os deslocamentos de camponeses ao sudeste paraense como força de trabalho.
O processo de reterritorialização de migrantes é também processo de combate pela memória, porque as dinâmicas de identidade assumem a ambivalência e os conflitos dos programas de ação em interação e confronto. Portanto, as tentativas de erguimento de memória social sobre esses processos são inscritas num campo de lutas e intervenções sociais. Às pretensões de implantar e estabilizar uma memória da ocupação são colocadas em evidências inúmeras outras versões, pontos de vistas ligados às trajetórias e aos posicionamentos dos atores sociais, e que caracterizam a polêmica e alteridade intrínseca desses empreendimentos memorialísticos. No caso dos camponeses, a luta pela terra constitui o realce de identidade e o objeto principal nos empreendimentos memorialísticos.
Mais do que a ocupação física de novos espaços do território nacional, a segunda metade do século XX, no sudeste do Pará, foi o espaço da urdidura de trajetórias de vidas, experiências sociais e imaginários. Um território de migrantes marcado pela heterogeneidade e coexistência social e étnico-cultural, mas também de conflito e violência de toda ordem.
Desde a atividade de extrativismo – do látex, da castanha-do-pará, dos garimpos de diamante e de ouro – à disputa pela posse da terra, às atividades temporárias na implantação de infra-estruturas, de projetos agropecuários e de exploração econômica dos recursos do território, aos empregos precários na siderurgia de ferro-gusa e atividades subsidiárias, movem-se – e são (re)movidos – corpos, sonhos, memórias, vidas de trabalhadores migrantes. Parcelas deles projetaram-se na fronteira mais adiante. Outros re-existem em acampamentos e assentamentos de reforma agrária em território disputado pelo agronegócio e pela mineração. Outros, ainda, cartografa(ra)m as cidades e pelas suas margens adentra(ra)m seus centros de realizações e exclusões. 
Por isso, os temas da mobilidade espacial e do trabalho são recorrentes nas narrativas de camponeses, mesclando e integrando-se com outras dimensões da vida pessoal e da família. Suas trajetórias e ações são assinaladas como fontes de aprendizados (experiências) que configura aquilo que Certeau (1994, p. 88) definiu comoética da tenacidade”: “mil maneiras de negar à ordem estabelecida o estatuto de lei, de sentido ou fatalidade”.
Desta forma, as narrativas de histórias de vida de camponeses migrantes (mesmo aqueles de segunda geração, isto é, filhos de migrantes), evidenciam sua constituição num campo de lutas, de afirmação de uma dizibilidade camponesa – ainda que uma narrativa eclipsada (MORAES, 2003) ou estigmatizada para o conjunto da sociedade – dos processos de ocupação do sudeste paraense e seus projetos de futuro. Da perspectiva dos próprios sujeitos que vivenciaram a história, as narrativas acentuam seu protagonismo nos processos de reterritorialização. Tentativas de inscrição na história, mas também a constituição de um repertório de práticas e saberes de re-existência camponesa.


3. NARRATIVAS DE FORMAÇÃO E (RE)PRODUÇÃO CULTURAL DO CAMPESINATO


            A narrativa, nas oficinas de história de vida, constitui a mediação da linguagem na produção das experiências de vida do sujeito. Ela tem sido explorada nas suas expressões verbais (escrita e oral) e imagéticas em desenhos, colagens e objetos simbólicos. Nesses diferentes usos a preocupação tem sido não somente exercitar a produção de sentido (mais linear), mas também os fragmentos de representações das experiências de vida. Sua ocorrência em espaços de interação e orientação didático-pedagógica constitui o contexto imediato da enunciação[5] e da interdiscursividade (BAKHTIN, 1981).
            As narrativas expõem a dialética da história e da cultura, evidenciando a linguagem como prática social. Conforme Salhins (1990), o simbólico é uma práxis[6], isto é, o sistema é reprodução e variação porque os significados são colocados em risco na ação, nos atos de comunicação social e em relação aos interesses dos sujeitos envolvidos.  

A ação simbólica é um composto duplo, constituído por um passado inescapável e por um presente irredutível. Um passado inescapável porque os conceitos através dos quais a experiência é organizada e comunicada procedem do esquema cultural preexistente. E um presente irredutível por causa da singularidade do mundo em cada ação: a diferença heraclitiana entre a experiência única do rio (ou fleuve) e seu nome. A diferença reside na irredutibilidade dos atores específicos e de seus conceitos empíricos que nunca são precisamente iguais a outros atores ou a outras situações – nunca é possível entrar no mesmo rio duas vezes (SAHLINS, 1990, p. 189).

Essa compreensão da cultura na dialética com a história é pertinente para a compreensão das narrativas analisadas enquanto produções discursivas de identidade porque, dentre outras coisas, nelas há um permanente movimento dialético: a introdução do presente no passado e o reconhecimento do presente como passado. São textos que evidenciam a construção de uma memória coletiva intergeracional camponesa que integram os eixos (dimensões da vida) família, migração, luta pela terra, trabalho e relações com a natureza na perspectiva dessa unidade globalizante da identidade. Essa integração ocorre mesmo quando os sujeitos são orientados a narrar sobre experiências específicas, como trabalho e relações com a paisagem.

Relatar exatamente os acontecimentos que representam experiências de trabalho não é tarefa fácil, uma vez que a vida camponesa é bastante diversificada, desde as amizades, trabalho, família, sobrevivência. São todas experiências muito significativa, eu particularmente, me espelho pelo meu pai e minha mãe, que nasceram na roça, cresceram e envelheceram e ainda hoje vive lá, ver um chapéu significa um homem camponês, que se protege do sol ardente. Eu me represento, como não sei, há tantas representações, como: associação, cooperativa, escola, eventos local, o meu trabalho na minha propriedade que faço com amor, porque está no sangue, gosto de cuidar das galinhas, dar atenção as nossas vacas de leite, até minhas cadelas e as gatas, as plantas, há quantos amores [...]. (N.M.A., LPEC, 2010).

Os momentos vividos no tempo de infância me marcaram muito. A paisagem dos lugares onde vivi me impressionaram. No lugar onde morávamos a floresta e o rio eram elementos presentes no dia-a-dia. O nosso meio/ via de transporte era o rio. Além do meio/via de transporte o rio era a fonte de alimento. Frequentemente tínhamos  que nos deslocar até ao rio para adquirirmos  o nosso alimento. Quando viajamos pelo caudaloso rio, as caixoeiras [sic] que atravessávamos me causava medo e espanto. O barco ficava a deriva e diversas vezes acontecia acidente. A embarcação chocava nas pedras da caixoeira. Próximo ao porto da nossa casa havia ali uma relíquia de uma embarcação que naufrara no início do século XIX. Esta paisagem faz arquivo em minha memória.
A floresta também era a nossa aliada no tempo da coleta dos frutos. Dependíamos dela. Nesta época, os frutos silvestres era a nossa ocupação, adentrávamos à floresta na procura dos frutos.
Meu pai fazia uso da agricultura. Plantávamos e colhíamos os gêneros. A maior parte da produção era usada como fonte de alimentação de subsistência. Vendíamos o excedente. O transporte era muito difícil.
Em meio a esse quadro, vivíamos felizes (I.S.S., LPEC, 2010).

Em outro artigo de minha autoria (SILVA, 2004), tendo como fonte de estudo vinte e cinco memoriais de uma turma de magistério do campo, a afirmação de uma identidade camponesa sobressaía nas narrativas, seja porque era evidencia da organização compreensiva de suas experiências e trajetórias de vida, especialmente da migração e da luta pela terra, seja devido às posições e interesses presentes dos sujeitos, inseridos no diálogo com a formação discursiva da academia e as possibilidades de afirmar o projeto de continuidade da escolarização. Conforme nos lembra Thomson (1997, p. 57), “ao narrar uma história, identificamos o que pensamos que éramos no passado, quem pensamos que somos no presente e o que gostaríamos de ser. [...] quem acreditamos que somos no momento e o que queremos ser afetam o que julgamos ter sido”.
Naquele trabalho abordei os conteúdos significativos referentes às trajetórias/condições de vida e trabalho presentes nos relatos. Nalguns deles havia uma saliência sobre a tarefa (como uma atribuição política) de elaboração de suas histórias de vida associada a uma representação de identidade camponesa: uma reivindicação pelo direito à narrativa como prática de significação de suas experiências, como oportunidade de combater estigmas e de conquistar reconhecimento na história.

procuro resgatar a minha trajetória de vida e de minha família, enfatizando os fatos que marcaram a nossa luta pela sobrevivência e as conquistas mais altas desta família de trabalhadores rurais. [...] mesmo que modesta tenho a pretensão de contribuir de alguma forma com a história de minha família e com a história dos trabalhadores rurais que nunca são citados pela história, a não ser como baderneiros e invasores, quando na verdade só buscam uma vida digna e honrosa para sua família (S.C.F.S., apud SILVA, 2004, p. 2).

O realce que o tema da identidade tem encontrado nas produções narrativas de histórias de vida, evidencia o que tem sido seu objeto de referência: a formação pessoal salientada discursivamente na afirmação de uma práxis coletiva. 


 3.1.  AUTOPOIÉSIS E MEMÓRIA SOCIAL


A “narrativa de vida é uma matéria instável, transitória, viva, que se reompõe sem cessar no presente do momento em que ela se anuncia” (DELORY-MOMBERGER, 2006, p. 362). Ela constitui um ato duplamente performativo, seja porque visa produzir aquilo que se enuncia/anuncia, seja porque o sujeito é colocado numa situação relacional em que uma retórica coerente de si passa a depender de seu desempenho, isto é, de uma atuação sobre si mesmo na relação com outros. Por isso, ainda que as narrativas de histórias de vida não constituam ficções ou simplesmente produtos retóricos, elas são produzidas nos entrecruzamentos de memória, identidade e projeto (VELHO, 1994) e mediante necessidades compreensivas (comunicação social) e expectativas de reconhecimento (imagem coerente).
            O trabalho com histórias de vida em processos de formação tem evidenciado que a narrativa de experiências do sujeito constitui, simultaneamente, um espaço de construção (reprodução) de uma memória socialmente relevante (VELHO, 1994) e um espaço de produção de si mesmo[7] (JOSSO, 2004). No ambiente de formação, a síntese dialética desses movimentos parece apontar para a criação de um sentido de identidade do próprio grupo, para dentro e para fora, em direção à compreensão e escolha de um lugar social e histórico. Por isso, para alguns participantes, as oficinas de histórias de vida, articuladas às atividades de pesquisa de campo, em comunidades rurais, tem constituído o espaço de construção de um vínculo social e de uma memória, que passa a atuar na dinâmica pessoal de identidade.   
O desencadeamento deste processo de autopoiésis relaciona-se ao fato de que o contexto de enunciação do relato autobiográfico é um “trabalho que engaja o sujeito no presente. Ao escrever sobre o passado, organizando no papel suas memórias, o sujeito se põe, portanto, efetivamente em movimento” (RAMOS; SILVA, 2011). Quando solicitados a refletir sobre suas vivências e experiências das oficinas de histórias de vida, os participantes tendem a destacar esse aspecto: o engajamento num processo de auto-reconhecimento e auto(trans)formação.

Durante as oficinas vivenciei situações que me fez mudar a forma de ver as pessoas e isso mudou em mim principalmente a forma de como me relacionar com minha família acredito que saí mais afetivo e mais seguro pois além de ter me tornado mais tolerante e paciente superei uma dificuldade enorme de me expor em público algo que para mim era muito difícil (N.O.F.O., LPEC, 2010).

A continuação das oficinas [...] está sendo importante para o ser sujeito através das práticas de trabalho de experiências adquiridas durante a vida é importante para a vida e o quanto ela traz conhecimentos e experiências me fez reconhecer o quanto ser social que somos e no qual estamos inseridos (C.J.C.R., LPEC, 2010).

Na área religiosa foi-me imposto sem hipóteses de reflexão embora hoje entendo ser o caminho correto, mas isso acarretou e acarreta grandes conflitos (M. A.C., LPEC, 2010).

[...], nascida aos quatro de janeiro de mil novecentos e sessenta e nove, às dez horas, cor morena, em Jatobal município de Jacundá, filha de marajoara e paraense, descendente de filhos de escravos, índios Carajás, portugueses e nordestinos (D.G.S.D., LPEC, 2010).

            A produção narrativa em contextos de interação situa-se nas fronteiras das experiências singulares, individuais, e as experiências do grupo. Devido à consideração do horizonte compreensivo e de expectativas dos interlocutores (possibilidade de transformar a experiência narrada em experiência do grupo), aos interesses de afirmação e reconhecimento e a referência do grupo social como suporte da memória. Neste caso, um a priori de materiais da memória social camponesa compõem um quadro disponível de experiências individuais e coletivas. É nesse quadro compreensivo que esses sujeitos, tendo ou não vivenciado diretamente a migração e a luta pela terra, afirmam seus pertencimentos e se inserem nessa história.

Na década de 70 havia um comentário de que no Estado do Pará o Governo Federal estava doando terras, bastava ter coragem para trabalhar, pois, as terras localizavam-se em plena mata virgem. Primeiramente vieram os homens da família para receberem os lotes e organizar para a mudança. Em 1976 mudamos para o Km 228 da Rodovia Transamazônica, antigo município de Portel, hoje divisa dos Municípios de Novo Repartimento e Pacajá.
Juntamente com meus familiares vieram mais vinte famílias do vilarejo onde morávamos em Goiás. A vicinal foi denominada Vicinal dos Goianos. Essa relação de vizinhança favoreceu muito o trabalho no local, a mata era muito fechada, organizavam derrubadas para construção de roças coletivas. Além das roças, organizavam construções de casas, compra de ranchos, organização de escola, igreja etc. (W.R.M.F., Especialização, 2010).

Todas as famílias retirantes, nesse caminhão, tinham um objetivo comum: conseguir uma terra para trabalhar. As tentativas foram em vão. Os boatos de terras livres não passaram de histórias mal contadas. Nada se concretizou. Mais uma vez a vida se reduziu à terra do patrão. Se em Minas Gerais imperava a lavoura do café. Em Goiás, a formação de pastagem de gado bovino. Os cereais como arroz, feijão, milho entre outros retirados da terra quando da preparação das pastagens eram divididos com o patrão. Foi nesse contexto que eu nasci.
Já no início da década de 70, o desejo da terra do trabalho e de libertar-se do patrão colocou a família na estrada. Outra ‘via sacra’ aos moldes da vinda de Minas Gerais. No norte do estado, na região de Colinas, hoje no estado do Tocantins, novamente imperou o trabalho na terra do patrão. [...]
Esse processo forçou novamente as tentativas para adquirir um pedaço de terra. [..] As várias malárias consumiram toda a colheita do ano. Enxotada por pistoleiros, a família seguiu para o estado do Pará [...].
Em meados dos anos 70 chegava ao Pará a família aventureira, em meio os rumores da Guerrilha do Araguaia. [...]
Em Conceição do Araguaia, jogados à própria sorte homens, mulheres e crianças. [...]
Saindo para trabalhar, em abertura de uma fazenda, mais de três dias de caminhada, um senhor, antigo posseiro, ao ver meu pai falando dos problemas que já tinha enfrentado informou que próximo dali havia uma terra do governo, área pública ociosa. Ele indicaria o local, mas impôs condições a serem compridas [sic]: respeitar os limites dos moradores do lugar.
Naquela região de Campos Altos, no município de Conceição do Araguaia, uma vez na terra, ficamos tão logo expostos ao conflito, mas livre do patrão. A condição de posseiro acabou sendo a condição de sobrevivência e de liberdade dos trabalhadores, sobretudo nós, família migrante que quase sempre trabalhou para o patrão (F.M.P., Especialização, 2010).
           
Outra característica da narrativa é que apesar de trabalhar com o material indefinido, heterogêneo descontínuo e polissêmico do vivido, ela participa de um esforço, empreendido pelo sujeito, de ordenação, de linearidade, coerência de sentido cujo risco é a artificialização da própria existência (BOURDIEU, 1996). Por isso, é comum encontrar nos relatos de histórias de vida, enunciações que representam a atividade biográfica como um processo de reapropriação da identidade e da própria história. Termos como “resgate” da identidade – como se os sentidos estivessem fixos e prontos no passado – e reencontro com a própria história – como se sujeito e história encontrassem separados – são freqüentes. Mas também chama a atenção para a participação do ato narrativo na configuração de identidades e memórias. Esse sentido emerge, por exemplo, nas auto-reflexões produzidas pelos participantes.

O mais importante foi que me transformou em uma pessoa conhecedora de si própria coisa que antes dessas oficinas não sabia, e a contribuição foi em todos os aspectos de minha vida, poder compreender melhor, perdoar e ser perdoado, viver uma nova vida e sabendo que se existe eu existe uma história só sabendo dessas histórias pode saber quem realmente sou, e veio abrir minha mente a várias recordações que eu nunca imaginava lembrar (V.T.A.S., LPEC, 2010).

Segundo Delory-Momberger (2006), há duas idealizações que se colocam neste projeto de identidade: o reconhecer-se em uma história e a unificação do ser pela integração da diversidade de seus pertencimentos. Desta forma, esse fenômeno também ajuda a compreender porque as narrativas são centradas nalguns realces de identidade compartilhados e pacificados no interior do grupo social e do espaço/contexto das oficinas: num curso de educação do campo e sob orientação de um grupo de professores, predominantemente, comprometido com a perspectiva de classe campesina.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


            Os relatos objetos de estudo neste trabalho são construções que os participantes dos grupos de formação elaboraram no exercício narrativo, dialeticamente, individual e coletivo. Neles, sobressai uma práxis coletiva, o tempo social (BOSI, 1994) do campesinato do sudeste paraense, como realce das experiências significativas e das identidades pessoais. Ou seja, a evidência do lastro coletivo das memórias reconstruídas nas narrativas de histórias de vida. Contudo, não se trata de simples reprodução, mas de um processo produtivo em que esses sujeitos da memória (em parte uma nova geração do campesinato) estão se reencontrando num grupo social – como sujeito de ação no presente – o sentido de suas existências e experiências históricas. Por isso, a reprodução de uma memória coletiva camponesa, nessas narrativas, ocorre também por alteridade, concorrência e conflito às memórias de outros grupos sociais, especialmente grandes proprietários de terras.
            Essa questão também deve ser compreendida incorporando as possíveis implicações das injunções avaliativas, interativas e institucionais desses processos formativos. Ainda que nas oficinas de histórias de vida não haja a saliência da dimensão de avaliação, ela pode aparecer aos participantes pela própria chamada institucional para a atividade (obrigatoriedade curricular). Além disso, concretamente, os educandos (narradores) são colocados numa situação de diálogo (seus pares e professores) que pode direcioná-los a assumir um papel social, regulando suas enunciações de pertencimentos (PASSEGGI, 2010). Portanto, não se podem descartar nas análises, sobre os processos de produção de representações sobre si e o grupo social, essas injunções, especialmente pelas circunstâncias de interação e solicitação institucional.
Ainda que não tenha sido o enfoque deste trabalho, deve-se ressaltar que o individual e singular perpassam as narrativas, não só pelas particularidades das vivências, interesses, projetos, etc., mas como nos adverte Ecléa Bosi (1994, p. 411), por “muito que deva à memória coletiva, é o indivíduo que recorda. Ele é o memorizador e das camadas do passado a que tem acesso pode reter objetos que são, para ele, e só para ele, significativos dentro de um tesouro comum”. Assim, constitui-se igualmente relevante a abordagem das diferenças e da heterogeneidade das vivências e das estratégias de construção da realidade pelos sujeitos históricos (DELGADO, 2006).
            Desta forma, numa análise global, os materiais estudados misturam elementos da autobiografia e do gênero memorialístico (MALUF, 1995). Também porque a memória autobiográfica se apóia na memória histórica, uma vez que a história de uma vida é parte integrante da história mais geral (Idem). Por isso, nas narrativas de histórias de vida de estudantes da Educação do Campo, ocorre o acento nos recursos experienciais ligados aos contextos de interação e vivência das lutas camponesas, ainda que, pessoalmente, o narrador não tenha participado delas. Também essa ênfase na categoria social abrangente pode referir-se a um aspecto da cultura em sociedades tradicionais, onde, geralmente, a memória socialmente relevante é a da unidade englobante (VELHO, 1994).
            Por fim, as reflexões que se tem produzido sobre o uso das histórias de vida nos cursos de Educação do Campo da UFPA/Campus de Marabá, têm evidenciado seu potencial para engajar os sujeitos educativos em processos de investigação-formação, especialmente pelo que tem representado na superação da clássica dicotomia sujeito-objeto de conhecimento, pela concepção do conhecimento também como autoconhecimento e como instrumento de transformação de si e da realidade social. Por isso, essa iniciativa participa do processo mais amplo de transformação das ciências humanas, com desdobramentos na educação, pela revalorização do paradigma compreensivo e fundamentação epistemológica desses procedimentos de formação (PASSEGGI, 2010). 
Idelma Santiago 
Doutora em História (UFPA/Marabá)

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[1] “[...] a substituição dos ideais teóricos de explicação e controle pelos de compreensão, significado e ação” (GONSALVES, 2006, p. 251). Também onde a investigação científica seja “[...] espaços onde queiramos nos encontrar não mais em função de algum conhecimento que precisa ser preservado ou avançado, mas em função de projetos de vida e de sociedade que julgamos importantes” (STRECK, 2001, p. 264).  
[2] A turma da LPEC é composta de 32 educandos, 12 homens e 20 mulheres, com faixa etária predominante entre 20 e 40 anos de idade. Nessa turma, 10 estudantes já exercem atividade docente em escolas rurais; 6 desenvolvem atividades de natureza educativa, seja nas escolas ou junto às comunidades, através de assessorias. A turma da Especialização era composta de 36 educandos, 11 homens e 25 mulheres, com faixa etária entre 25 e 45 anos; era formada de professores de escolas rurais e coordenadores pedagógicos da educação rural (29); agentes de ATES e ATER (06); membros de organizações de formação de lideranças e educadores do campo (02). 
[3] Ele abandonou o termo autobiografia devido ao seu peso etimológico e por privilegiar a escritura (PINEAU, 2006).
[4] A experiência realizada no Curso de Pedagogia do Campo (2006-2010) – UFPA/Marabá foi fundamental para alimentar a práxis com as histórias de vida em formação. O processo vivenciado neste curso ocorreu em três oficinas: Oficina de Alfabetização Cultural (BARON e SOUZA), que buscou estimular cada educando(a) numa leitura de mundo através de uma “auto-leitura íntima” por meio da arte-educação; Oficina de Vivências Lúdico-Terapêuticas que, buscou envolver os educandos(as) em um reencontro com seus próprios corpos e com os sentimentos e emoções neles condensados ao longo de suas experiências de vida (TOMÉ, 2007); Oficina História de Vida em Formação, que focou suas atividades no estudo e discussão sobre o uso da história de vida na formação docente e na orientação dos educandos(as) para a produção escrita de suas memórias,  identificando seus percursos educativos (SILVA, 2007). (Cf. MEDEIROS; ANJOS, 2009).
 [5] Para Bhabha (Apud SOUZA, 2004), apoiando-se em Bakthin, o locus da enunciação é o terceiro espaço, onde ocorre o hibridismo da linguagem – os elementos lingüísticos e culturais interagem. Para Marina Maluf (1995, p. 34), “o lugar onde o relato é produzido é de evidente relevância, [...]. Toda palavra reflete uma perspectiva particular esculpida por fatores sócio-culturais, políticos e pessoais”.
[6] “A meu ver, a questão maior destes ensaios reside na existência e na interação dual entre a ordem cultural enquanto constituída na sociedade e enquanto vivenciada pelas pessoas: a estrutura na convenção e na ação, enquanto virtualidade e enquanto realidade. Os homens em seus projetos práticos e em seus arranjos sociais, informados por significados de coisas e de pessoas, submetem as categorias culturais a riscos empíricos. Na medida em que o simbólico é, deste modo, pragmático, o sistema é, no tempo, a síntese da reprodução e da variação” (SAHLINS, 1990, p. 9).
[7] Autopoiésis - do grego autós, próprio e poiésis, fazer, produzir (JOSSO, 2004).


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