Aziz Mutran Filho publicou um único livro : “Retalhos de poesias ”, lançado aqui mesmo em Marabá em 28 de abril de 2000, sob a chancela da Secretaria Municipal de Cultura . São 64 páginas com 34 poemas escolhidos entre o que produziu e datou desde 1964, além do “curriculum vitae” escrito quando fez 50 anos , em 29 de setembro de 1994. É desse auto-retrato que transcrevo sua própria definição :
“Nasci sob o signo da balança , e por isto tenha vindo ao mundo na forma de contrapeso . Hoje olho para trás e quase nada vejo que me dê motivos para festejar . Fui durante esses anos todos , um ente repleto de contradições , polivalente por excelência , e comum no sentido mais literal da palavra . Contraí dívidas , fui cobrado e paguei. Aliás , paguei com juros escorchantes.
Tive um só amor , que para variar foi frutificar-se por além das minhas cercas . No quintal do vizinho . Em troca , fui feliz na tranqüilidade de uma união que durou até a morte da outra parte [1]. Vivemos a felicidade , mas estava escrito que nos separaríamos antes do outono .
Sou pai de uma moça [3], para quem desejo uma vida bem diferente da minha .
Plantei muitas árvores . Tenho uma paixão doida por tudo quanto é tipo de animal (irracional ). Certamente é por esta razão que algumas pessoas me tratam como um homem de caráter .
Amei a boemia e as serenatas . Hoje estou fazendo pausa na bebida e tampouco me agrada a noite . Gosto de ver as coisas com clareza . Sou um animal diurno . Escrevo poesias que algumas almas caridosas chegam a elogiar . Não peço dinheiro emprestado, para não receber negativas . Até que de vez em quando preciso e tenho vontade . em troca , sou perseguido por caloteiros que “farejam” quando tenho algum dinheiro no bolso . Depois de me ‘derrubar ”, o elemento ainda se transforma em meu desafeto .
Escrevi discursos explosivos , que os outros leram com grande eloqüência . Fiz ofícios , projetos , assumi a subserviência dos meus chefes , e desdobrei-me em rapapés para os chefes dos meus chefes . Isto , sempre a troco de nada . Tudo isto , para que eles crescessem e aparecessem. E como cresceram. E como apareceram. E como riram depois da minha cara de otário .
O que posso falar mais ? – Ah, sim , sou surdo de um lado . Dei um tiro no ouvido [4]."
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[1] Tarcisa
[2] Ao contrário do seu desejo , o poeta está sepultado em cova comum no cemitério da Velha Marabá
[3] Corina
[4] Suicida que era , Aziz também cortou os pulsos e acabou se enforcando numa árvore ao fundo do seu quintal .
Espinhos
viciada em percorrer caminhos ,
E partes de maneira inoportuna ,
- miragem que tu chamas “minha luta ”.
E eu inútil , nem posso acompanhar-te
- a cada volta , satisfeito o teu capricho .
Ocorrem-me lembranças vagas e desertas
de vidas outras, em horas como dantes.
e encho-me de cismas e de espanto-
e o que será de mim , quando me ver desperto.
Concede-me, Senhor , viver a espera
e não me encurtes a vida enquanto isso .
Ah, se dormisse agora , quem me dera...
E acordasse, e vive e despertado,
e que ao vê-la inteira e preparada
pudesse tê-la sempre do meu lado .
Os anjos que vieram
os anjos não disseram nada .
Vieram os três , a três chamados,
olharam a minha vida destroçada
e foram embora ainda mais calados .
o outro brilhava numa luz intensa ;
o terceiro era uma espécie de coveiro
- enigmas cruéis desta saudade imensa !
Chamei-os em transe agudo , desvairado ,
... E não disseram nada , nem aliviaram
a pena que teima , enquanto avança
na direção do peito que mataram.
(1991)
No bar do Orlando
Quero não vê-la, mas infelizmente ,
é mesmo ela quem passa sorridente ...
E nem me viu a fitá-la inconformado;
e despeitado ou desesperançado
fui ao Bar do Orlando embriagar-me.
(Marabá , 1968)
-------------------------O suicídio do poeta pegou a todos de surpresa e comoveu amigos e contemporâneos . Um deles, Amin Zalouth, igualmente de origem sírio-libanesa, dedicou-lhe este belo poema :
(março /2003)
No passaporte , apenas visto de partida .
Nenhuma palavra sequer de despedida !
compensando a existência aqui sofrida,
tua alma n’outro plano consiga ser feliz .
Deste-te fim num gesto de loucura
e sem te preocupares com palavras de censura ,
chutaste o balde transbordante de amargura...
Melancólicos no fim da tarde madura
dobraram por ti sequer os sinos da matriz ?
Foste assunto para tantas, em cada esquina ,
das comadres , vorazes aves de rapina ,
vendo-te imóvel , cheirando a naftalina ,
a julgar tua sorte , a tua sina ,
de amizade ? Amigos ? Amigos , uma ova !
o sol castigando as ruas , as calçadas ,
a lua brilhando intensa n’alta madrugada ,
e logo mais , quase manhã , na alvorada
Renunciaste à tua cruz , ao teu calvário ...
E não se encontra em qualquer livro ou dicionário
da estrada onde agora segues solitário ,
e só tu mesmo podias ver a atua aurora .
Partiste. Aqui , a lembrança se demora ...
Rezamos por ti. Vai em paz . Sejas feliz .
2 comentários:
É BASTANTE LOUVAVÉL ESSE BLOG.. NÓS TEMOS QUE MOSTRAR QUE MARABÁ VIVE COM UMA CULTURA DE QUALIDADE, COM BONS ARTISTA.. E QUE POR AQUI NÃO TEM SOMENTE VIOLÊNCIA... QUE BOM REVIVER OS POEMAS DE AZIZ MUTRAN...O MARAVILHOSO RETALHOS DE POESIA... ESSA INICIATIVA VINDO DO POETA MAIOR DE NOSSA PARTE É MELHOR AINDA..
ABRAÇOS MEU QUERIDO ADEMIR...
Obrigado, Airton! A intenção é exatamente esta: mostrar a fina arte que se pratica entre nós, como um desafio permanente à ausência de políticas públicas de incentivo à atividade cultural, aqui incluídos todos os ramos artísticos e, principalmente, o extraordinário patrimônio folclórico que está se perdendo no abandono.
Nem só de circo e brega na orla vive a cultura marabaense.
Um abraço!
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