é a luta mais vã.
(Carlos Drummond de Andrade, “O Lutador ”)
O comentário é do analista literário Luiz Ricardo Leitão , feito em maio de 2009 no Rio de Janeiro . O analista recorda haver conhecido Charles Trocate no Pará , e viu nele um poeta que , como Drummond de Andrade, carrega consigo “um mapa e um destino precário que insulta ”, quem sabe a feição amazônica de dizer que possui somente duas mãos e o sentimento do mundo .
“A cartografia , aliás , diz Leitão , é um traço indelével da cidade que o abriga , essa hipnótica Marabá , fundada há menos de um século na confluência dos rios Itacaiúnas e Tocantins. Próspera testemunha dos anos dourados do ciclo da borracha e grande centro de exportação da castanha-do-pará , ela se vê cindida entre os antigos casarões da Cidade Velha e a singular configuração da Nova Marabá , traçada pelos militares em plena ditadura , cujo desenho representa uma enorme castanheira onde não há logradouros convencionais , mas sim folhas que desafiam a imaginação de visitantes incautos como este escriba que ora se manifesta .
Os tempos do fausto já se foram, e agora Marabá representa o epicentro de um mundo em vertiginosa transformação, impulsionada pela temporalidade avassaladora do capital . As mineradoras, sobretudo a colossal e onipotente Vale do Rio Doce , varrem a região , pródiga em ferro e manganês , commodities vitais de um planeta neoliberalmente globalizado. Os trens cruzam noite e dia a paisagem com vagões abarrotados de minérios que os navios irão despejar nas fornalhas do outro lado do mundo , a preço de banana , para que mais tarde regressem a Bruzundanga sob a forma de trilhos e outras mercadorias dez ou quinze vezes mais caros .
A poesia de Trocate é um contraponto – e um contratempo – lírico e beligerante a essa vertigem . Ele ouviu o “ultimato do totem ” e nos revela sem nenhum pejo sua advertência : “– O século está vestido de mofo / E manca .”
A própria dicção do trovador acusa o efeito abrasivo da razão instrumental:
“Na garganta
Chamo para uma dança sem fim
a racionalidade
E acena um raro pacto
“O que se janta na história
No porão do delírio enquanto fugimos?
Cansa-me
O adeus dos camaradas
O aceno tísico
Dos debates .
A desgraça do momento
E é miúdo o dorso
Das perguntas ”
“É minha voz lambendo os fatos
Pondo de pé
“Tempo de dúvidas já passou
Ando avesso ao que é inútil e medroso
A galope
Pisando o solo dos mundos
Passará
O verão da angústia
Na Casa das Árvores , em Marabá , corpúsculo inédito em português e espanhol, há decerto menos estações , mas também é tempo de desfolhar o passado , em meio a razões incontestes que circulam “em forma de vento ”. Charles já recolheu a força das coisas insones e talvez agora esteja a reunir as folhas de sua castanheira para persistir em sua febril contenda , lutando corpo a corpo , todo o tempo , como o combatente de Drummond, “sem maior proveito que o da caça ao vento ”.
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